Um post que tem sido muito acessado aqui ao longo dos últimos anos é o Aulas de Química e a Base Nacional Comum, que escrevi em 2016 quando a BNCC ainda estava em uma das etapas da consulta pública. A gente sabe que ela variou bastante desde suas primeiras proposições e, agora, a estrutura da Educação Básica também, a nível Fundamental e Médio. O post de hoje é dividido em três partes: percepções pessoais sobre o assunto; breve organização da Base nas Ciências da Natureza; e debate sobre a implementação nos comentários, a fim de nos ajudarmos enquanto professores a tratar desse assunto meio nebuloso.

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Percepções pessoais
Organização das Ciências da Natureza (e suas Tecnologias)
Debate sobre a implementação
Percepções pessoais
A Base veio sendo proposta e implementada ainda quando eu era licencianda/mestranda e não sou nenhuma especialista sobre o assunto (se quiser, ver a tese da Adriana Corrêa sobre o assunto). Esse é um tema que gera bastante discussão, principalmente pelas modificações que foram feitas em relação às proposições inicias e por terem definido a versão final sem muito diálogo com a comunidade de professores e pesquisadores, que há anos trabalham para a melhoria da Educação Básica.
O fato é que as escolas públicas já iniciaram a implementação a nível Fundamental e aqui em Santa Catarina foram quatro as escolas que tiveram em 2020 o 1º ano do Ensino Médio na nova estrutura, com três variações em distribuição de carga horária. Pessoalmente falando em relação à carga horária do novo Ensino Médio, esse é um tema que me chateia bastante, me contem se a vocês também. Apesar de concordar com as críticas à Base, penso que, na prática, conseguimos continuar tentando fazer nosso melhor visando um ensino de qualidade mesmo com as novas Competências e Habilidades propostas pela Base (falarei sobre elas na próxima seção).

Mas a redução da carga horária obrigatória para as disciplinas de Ciências da Natureza (e outras áreas) é algo que não faz sentido pra mim. Tínhamos o privilégio de oferecer ao longo de todo o Ensino Médio essas áreas do conhecimento aos nossos alunos, para que eles tivessem os conhecimentos básicos sobre assuntos em diferentes campos do conhecimento. Pra mim, as críticas ao ensino (tradicional) que fazia como aluna da Educação Básica e, posteriormente, como professora estavam mais relacionadas à falta de sentido das aulas, os objetivos. Aquilo que já sabemos sobre o ensino conteudista e sem muita conexão com o cotidiano, com as problemáticas da nossa vida e realidade social…

Por exemplo, fui aluna de Ensino Médio e Técnico em uma escola particular conteudista, mas que tinha alguns professores das diferentes áreas que tentavam contornar o sistema para nos oferecer um ensino que acreditavam ser o melhor. Como ex-aluna, sinto que ao longo dos três anos do Ensino Médio, nessas diferentes disciplinas, eu e meus colegas íamos nos desenvolvendo enquanto futuros profissionais e vestibulandos, propósito da escola, mas também como cidadãos. A pessoa que éramos no 1º ano era completamente diferente da que nos tornamos no 3º. Mas onde quero chegar?

Penso que retirar dos alunos esses três anos de reflexões e reduzi-los à metade da carga horária é impedir que os estudantes possam pensar e discutir sobre muitos assuntos que poderiam ser explorados! O problema não estava na carga horária, mas no ensino (tradicional). Críticas a esse tipo de ensino, como sabemos, há muito tempo são feitas pela comunidade de professores e pesquisadores das diferentes áreas.

Há uns anos conheci uma italiana e tive curiosidade de saber como funcionava a escola por lá. Era basicamente nos moldes de como será posto para nós hoje e tem sido feito em outros países, como os Estados Unidos. A questão é que por aqui veem os países dito desenvolvidos e tentam nos encaixar nesse padrão – como se os próprios não tivessem suas questões e críticas ao sistema – nos submetendo às suas influências, como se isso fosse resolver os problemas estruturais daqui e desapoderar os que boicotam nosso ensino. Sobre a conversa com a italiana, percebi que pouco sabia sobre Química/Ciências, não era a área que tinha escolhido como “continuação” daquele primeiro ciclo base. Claro, aqui também temos pessoas que não gostam ou não sabem muito sobre essas áreas, é natural. Mas penso que é exatamente a essas pessoas que estaremos restringindo noções conceituais/sociais/cidadãs/etc. sobre nosso campo de estudo, porque geralmente os que têm interesse e curiosidade acabam por buscar sobre o assunto.

Os defensores da Base dizem que “Os alunos poderão escolher as disciplinas que querem estudar, com o que mais se identificam”. Isso já pode ser feito ao terminarem a Educação Básica, não precisariam tomar essa decisão cerca de um ano depois de concluírem o Ensino Fundamental, principalmente porque isso implica na redução do contato com outros campos do conhecimento! Se com os três anos que era ofertada a disciplina já tínhamos problemas na alfabetização científica e tecnológica, no sentido de os alunos usarem o conhecimento na vida, imagina agora que será reduzida. Imagina como será isso na área do conhecimento das Humanas também. Sinceramente, pra mim, o caos. E pra vocês?!

Além disso, tem a questão de defenderem o ensino profissionalizante, que o aluno poderá escolher como a área a ser seguida. Mas, pra mim, esse também é um grande problema. O ensino profissionalizante entra como parte da carga horária do atual Ensino Médio, assim como a área a ser seguida mencionada no parágrafo anterior. Quando eu fiz Ensino Médio + Técnico já não era um ensino suficiente (cada qual com sua carga horária inteira), imagina agora que se considerar só o técnico a carga horária também é menor em relação aos cursos já existentes.
E a estrutura das atuais escolas que não oferecem essa modalidade?
Deslocamento dos alunos pras escolas (ou cidades) que oferecem tal área?
Desistência dessa área pela conveniência de estudar próximo à sua residência?
Terceirização da modalidade profissionalizante pras escolas particulares?
Como ficará o ensino nas escolas particulares?
Será que os vestibulandos não temerão seguir apenas uma área?
… E as particulares oferecerão todas as modalidades?
Afinal, quem se beneficia do novo Ensino Médio e quem se prejudica?!

Por último, mas não menos importante, para a nossa classe: Quais os impactos na nossa carga horária de trabalho? Química e Física só lecionavam pro Ensino Médio. Com a redução geral da carga horária, o que vai acontecer? Na minha cidade, a mais populosa de SC, na nossa área o desemprego e carga horária reduzida pros professores temporários, como eu, já é realidade. Apesar disso, vi que em algumas cidades do Brasil estão saindo alguns processos seletivos e concursos pro Ensino Fundamental, em que estão contratando também professores de Química e Física. Mas como vai ser a atuação nas escolas?!

Na palestra da Adriana Corrêa que vi sobre parte de suas pesquisas do doutorado, ela comentou sobre as prováveis modificações a nível de formação de professores. Será que daqui uns anos será ofertada majoritariamente aquela licenciatura em Ciências Naturais?
Essas minhas percepções são fruto de mero devaneio ou vocês também pensam algo semelhante sobre?!
Organização das Ciências da Natureza (e suas Tecnologias)
Brevemente, para relembrar, a BNCC para o Ensino Fundamental (pp. 321-351) se organiza de forma um pouco diferente em relação ao Médio (pp. 547-560). Aqui não vou apresentar a ideia do texto introdutório que situa e defende cada uma das áreas, apenas vou resumir como se organizam.
Ensino Fundamental
Ciências da Natureza
- Atividades: Encorajamento às investigativas – Definição de problemas; levantamento, análise e representação; comunicação; e intervenção (p. 323).
- Competências específicas: 8, em diferentes âmbitos (p. 324).
- Séries: Inicias (pp. 331-341) e finais (pp. 343-351), cada uma com unidades temáticas, objetos do conhecimento e habilidades específicas.
- Unidades temáticas: Matéria & energia, vida & evolução e Terra & Universo.
- Objetos do conhecimento: Vários, por unidade temática.
- Habilidades: Várias, codificadas, por objetos do conhecimento.

Ensino Médio
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
- Competências específicas: 3, em diferentes âmbitos (p. 553).
- Habilidades: 24, codificadas por competência específica (1ª p. 555, 2ª p. 557 e 3ª pp. 559-560).
Observação: No texto introdutório são mencionadas as atividades investigativas (dentre outros aspectos importantes ao ensino científico), além da menção às unidades temáticas. Mas a área do Ensino Médio tem uma apresentação mais resumida, se comparada ao Fundamental – provavelmente por já terem mencionado algumas questões anteriormente e por ter menos séries (embora não haja organização por séries, como no Fundamental).

Debate sobre a implementação
Um dos sentimentos que muitos professores compartilham é o de estar perdido.
Como vão funcionar as aulas de Química agora? Agora fazemos parte do núcleo das Ciências da Natureza.
Como ficará o planejamento?
Faremos em conjunto com os professores de Biologia e Física?
Como se viabiliza esse encontro, já que podemos atuar em escolas diferentes?
Cada um continuará a dar suas disciplinas normalmente?
Como funcionarão as aulas que não serão daquele ciclo básico que a BNCC traz, aquelas que (se a escola oferecer) os alunos optarão por aprofundar seus estudos?

O que você acha do assunto? O que sua escola tem feito?
Vamos construir um diálogo sobre a implementação da BNCC e assuntos relacionados nos comentários abaixo, a fim de nos ajudarmos. ♥
Críticas e sugestões são sempre bem-vindas.
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Até semana que vem! 🌸
Karol
[…] post atual já foi feito sobre a BNCC e o ensino de Química/Ciências.**Acho que talvez essa proposta […]
Olá como profissional da área vi que o assunto aqui ganhou um outro viés. Não sou a favor de discriminação de ninguém. Tanto se fala nisso hoje mas estão discriminando na verdade as pessoas que tem suas religiões. Ora vivemos em uma Democracia e pensamento que deve ser respeitado é o da maioria que é religiosa. Isso sim é democrático. O resto é Comunismo.
Oi, Sérgio. Obrigada por seu comentário! 🙂 Sim, entendo seu ponto de vista e respeito todas as religiões. Comentei a respeito das questões que a Cristiane pontuou, porque também entram na parte de Ciências, mais relacionado àquela parte de biologia no Fundamental. Mas te convido a pontuar aqui suas considerações também sobre o que você tem achado sobre o ensino de ciências/Química, para trazer outras perspectivas de como tem sido implementado nas escolas. Até mais, boa semana 😀
Aqui ninguém está discriminando nenhuma religião. Bom, o Brasil é laico, ou seja, não tem nenhuma religião, todas merecem ser respeitadas, eu disse TODAS e não o da “maioria”. As instituições religiosas não podem querer administrar o Estado, e isso está previsto na lei, logo se tiver algum ensino religioso nas escolas, creio que deva abordar sobre as religiões dos brasileiros e não a da “maioria”, caso contrário aí sim estariam discriminando e marginalizando a religião das “minorias” que são cidadãos com os mesmos direitos da “maioria”. Já sobre o “comunismo” ele só existe na cabeça dos propagadores de teorias da conspiração. 😁
Obrigada por seu comentário, Felipe. Concordo com suas considerações 🙂
A base insistir em uma visão fragmentada do conhecimento e do desenvolvimento humano, por invisibilizar as questões ligadas à identidade gênero e orientação sexual, enfatizar o ensino religioso e antecipar a idade máxima para conclusão do processo de alfabetização, ignorando as especificidades de aprendizagem de cada aluno.
Oi, Cristiane! Obrigada por seus comentários, vi que deixou vários! 🙂 Você está falando isso no modo geral ou como no Ensino de Ciências do Fundamental/Médio? Acho que é no geral mesmo, porque você comentou sobre a alfabetização. Sobre essas outras áreas e níveis de ensino não domino muito (e não fiz aquela análise minuciosa), mas pela leitura da base no EF/EM do EC vi que ela aborda apenas alguns desses pontos, mas de modo geral. Por exemplo, no EF a questão da diversidade no 1º ano (EF01CI04) e sexualidade no 8º ano (EF08CI11); no EM, na competência específica 3 (EM13CNT305). Mas as questões de gênero no EC não estão presentes mesmo e esse é um tema bem “polêmico”, né, da identidade. Existe a invisibilidade das pessoas não cis na nossa sociedade, que continuam a ser uma das mais marginalizadas! Isso me entristece muito. O discurso fundamentalista religioso sempre fala mais alto no que diz respeito à população LGBT. Mas tenho percebido um aumento de consciência sobre esses assuntos por parte dos alunos e alguns professores, mas óbvio que isso não será suficiente enquanto for algo pessoal e não estruturante como um documento normativo.
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Trechos da BNCC:
(EF01CI04) Comparar características físicas entre os colegas, reconhecendo a diversidade e a importância da valorização, do acolhimento e do respeito às diferenças. [Corpo humano/Respeito à diversidade]
(EF08CI11) Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética). [Mecanismos reprodutivos/Sexualidade]
(EM13CNT305) Investigar e discutir o uso indevido de conhecimentos das Ciências da Natureza na justificativa de processos de discriminação, segregação e privação de direitos individuais e coletivos, em diferentes contextos sociais e históricos, para promover a equidade e o respeito à diversidade. [Competência específica 3]